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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

O vendedor de jornais


- Um, dois, três.

Parecia contar o tempo baixinho (ou o tempo contava-o a ele?). O vendedor de jornais sorridente: mais um cliente. O frio era algum e corria sem se ver. E as pessoas não viam. E as pessoas não se aqueciam umas às outras. Havia muitos carros, como já era habitual. Estava um dia particularmente citadino, com os seus sons e cheiros. Os raios de Sol cortavam as nuvens que caíam no solo cansadas, da muita água derramada. Um arco-íris! Momentâneo, mas estava lá, efémero como tudo, eterno por segundos. O vendedor de jornais sorria: já tinha valido a pena ir trabalhar! As pessoas passavam de olhos fechados e alma invisível (ou de alma fechada e olhos invisíveis?) seguindo as marcas no chão. Em tudo era um dia normal. Isto é, se houver tal coisa.

Eu estava na esplanada, ao fundo da rua, de onde podia ver tudo: a mercearia da dona Dores, o café do senhor João, a pastelaria do Vitorino, até conseguia ver ao de leve o reflexo de Bruxelas e outras mil cidades europeias. Estavam todos cheios de gente que procurava naqueles espaços familiares a família que nunca teve verdadeiramente. Não conseguia ver o vendedor de jornais, escondido por uma multidão de pessoas, que queria saber tudo sobre o último escândalo, que procurava esconder a sua vida nas garrafais letras dos títulos. Eu tomava um café enquanto esperava por ela. Conhecera-a há seis anos, num dos meus grupos de amigos. Andei três anos pelas ruas sem a ver, sem a entender como era. Nos últimos três, ela foi o centro de tudo: durante um enlouqueci por ela, no seguinte tentei esquecê-la, e no último tornei o sonho real. Éramos só amigos, mas isso já era muito sonho. Esperava-a sob o olhar dos telhados das casas antigas, como se esperasse por uma nova vida, melhor, mais minha.

Conseguia ver agora o vendedor de jornais, solto de pessoas. Ele olhava cada alma que por ele passava, como se procurasse dentro delas, aquilo que perdeu há muito dentro de si. E todas as almas se olhavam a medo, pelo canto dos olhos, procurando algo umas nas outras, fechadas dentro de uma pequena caixinha de carne, algures perdida dentro do crânio dos animais. O vendedor de jornais deixava a sua alma livre, deixava que ela comandasse o seu corpo e não o contrário. Por isso foi o único que, naquele dia igual a tantos outros, previu e tentou prevenir a minha morte.

-CUIDADO!

Mas era tarde demais. Ela, a minha nova vida, tinha acabado de ser levada, enquanto eu olhava para ela, sem reparar no carro que viera.

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