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terça-feira, 27 de julho de 2010

Deserto

Está calor, mas que se há-de fazer? Como uma crise ou qualquer outra maleita que assola de um momento para o outro toda uma região ou país, esta fogo que não cai do céu, desce antes levemente, correndo através de fenómenos de convecção, ataca-nos por golpes de condução, deixando-nos KO, desgastados, ou simplesmente nós próprios. Podemos fugir e podemos esconder-nos, mas esse fogo é tão forte que chega a todo o lado.

Há, no entanto, quem goste do quentinho, e, como quem agradece a Deus uma chuva divina, peregrinam até ao altar de bronze da actualidade. Tostadinhos e tostadinhas dos dois lados, e todo o mundo é feliz. E beleza por todo o lado, como nesta televisão desligada que em vez de lixo transmite o vazio. Tudo é perfeito quando não há nada. E não há nada para além das esplanadas, das peregrinações, das ondas de pessoas. E como cobras saem do seu refúgio à noite para regularem a temperatura e todo o mundo num cântico só agradece ao mundo estabelecido.

É neste período de calor intenso, equilíbrios térmicos mal posicionados e águas sujas de areia, óleos e outros lixos, que as formigas param, deixam de trabalhar, enquanto outras formigas, no solo e à superfície, trabalham. Este deserto de formigas que somos irrita-me por vezes, mas funciona de uma forma aparentemente tão perfeita que ignoro quem sou, e, como tal, ignoro se é a verdade o que eu digo, ou se apenas palavras que me saem da boca, como aviões que saem dos aeroportos rumo a paraísos vários. Álcool, música, barulhos naturais, tudo isso misturado num cocktail preparado para a catarse do ano inteiro. Isto é viver: acumular desconfortos, para, num momento de maior liberdade soltar, num guincho de alívio e prazer, tudo aquilo que somos, mas sem querer, reprimimos.

Compreendo perfeitamente que não disse nada. Mas é o que me é possível dizer neste deserto de ideias.

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